terça-feira, 13 de julho de 2010

Afinal, O Que É Um Clérigo? – Parte I

Clérigo Um tempo atrás rolou uma breve discussão sobre os clérigos numa comunidade de AD&D do Orkut, e curiosamente a questão sobre a natureza dos clérigos já havia dado pano pra manga em uma discussão com amigos. Frente a tantos “sinais”, não havia como eu deixar de falar aqui sobre o assunto. E o assunto do qual eu quero tratar é a natureza dos clérigos.

No Dungeons & Dragons, o que é um clérigo? As respostas mais comuns costumam ser coisas como “é um padre” ou “é um santo”. No entanto, vamos observar as raízes do D&D e suas versões mais antigas e ver se essa visão se sustenta.

Dizem os boatos que o que viria a se tornar o clérigo do OD&D surgiu na campanha de Dave Arneson como uma nemesis para um personagem vampiro (personagem este chamado Sir Fang). Assim sendo, esse proto-clérigo teria sido inspirado principalmente na personagem Abraham Van Helsing, protagonizado por Peter Cushing nos antigos filmes de horror da produtora Hammer.

Tendo como arquétipo inicial o famoso caçador de vampiros de Drácula, o clérigo tinha como função principal exatamente combater mortos-vivos. Coisa que por sinal os clérigos fazem muito bem, desde os níveis mais básicos, e qualquer um que já precisou utilizar a habilidade de afastar mortos-vivos de um clérigo pode atestar isso.

Já ao ser incorporado ao D&D, o clérigo recebeu de Gary Gygax uma roupagem mais medievalizada, e encarna um papel intermediário entre homem-de-armas e mago (ou melhor falando, entre o fighting man e o magic-user). No OD&D o clérigo era um guerreiro quase tão apto quanto o fighting man (tabela de ataque muito similar, pontos de vida muito próximos, pode usar qualquer armadura, e ainda que só utilize armas contundentes, todas as armas causam o mesmo dano), e ao mesmo tempo podia lançar magias (mas todas as suas magias eram do tipo utilitárias, e não ofensivas, e ainda contavam com as prodigiosas magias de curas), ainda que em quantidade bem menor do que o magic-user.

Com isso, dá pra ver bem que o aspecto bélico do clérigo é bem salientado desde o início. Isso explica sua função mecânica de meio-termo entre mago e guerreiro, mas ainda deixa a desejar sua função arquetípica. O clérigo no OD&D já não é mais apenas um caçador de vampiros que utiliza sua fé como arma. Mas então, o que ele é?

Na descrição da classe no Player's Handbook do AD&D 1ªed, tem-se o seguinte:

“This class of character bears a certain resemblance to religious orders of knighthood of medieval times. (...) The cleric is dedicated to a deity, or deities, and at the same time a skilled combatant at arms.”

Traduzindo:

“Esta classe de personagem guarda uma certa semelhança com certas ordens religiosas de cavaleiros dos tempos medievais. (...) O clérigo dedica-se a uma divindade, ou divindades, e ao mesmo tempo é um combatente habilidoso”

De forma bem similar, o Player's Handbook do AD&D 2ªed, ainda que inclua o clérigo no grupo dos sacerdotes (ou Priests, no original) descreve a classe da seguinte forma:

“The cleric class is similar to certain religious orders of knighthood of the Middle Ages: the Teutonic Knights, the Knights Templars, and Hospitalers. These orders combined military and religious training with a code of protection and service.”

Traduzindo:

“A classe clérigo é similar a certas ordens religiosas de cavalaria da Idade Média: os Cavaleiros Teutônicos, os Cavaleiros Templários, e os Hospitalários. Estas ordens combinavam treinamento militar e religioso com um código de proteção e serviço.”

Por essas descrições, vemos que o clérigo é muito mais um guerreiro de uma ordem monástica do que um sacerdote propriamente dito. Não parece que a intenção de Gary Gygax era simular sacerdotes ao criar a roupagem da classe. Fazendo um paralelo com a Igreja Católica, clérigos seriam Cavaleiros Templários e não padres.

12 comentários:

  1. otima postagem! eu sempre tive pra mim o clerigo como um guerreiro santo, por isso acho q nunca pensei nele como um padre, um frei tuck ou algo assim. acho q a propria figura do 2ed nos leva a essa conclusao

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  2. ...excelente post...nas minhas campanhas de Dragonlance ( D20 Fifth Age )uso clerigos sem niveis de conjuradores e clerigos com niveis de conjuradores ( estes para representarem clerigos mais elevados na hierarquia da Ordem )colocando-os como lideres e mestres...

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  3. Excelente post. Mudou completamente minha visão sobre esses caras!

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  4. Simples e direto.

    A coisa se aprofunda quando vc insere no contexto várias divindades, com características diferentes. O clérigo acaba indo do cruzado ao monge, do shaman ao prelado. Uma miríade de variações.

    Mas é sempre bom rever as bases

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  5. @Danielfo: Se observarmos apenas o que está nos livros básicos mais antigos, vemos que clérigo pode ser de qualquer divindade, sem diferenciação alguma na classe. Afinal, toda igreja pode ter uma ordem militar a seuserviço.

    No Livro do Jogador do AD&D 2ªed, quando ele trata especificamente da diferenciação dos "Priests" de acordo com os deuses, vemos que isso é feito através dos "Priests of Specific Mithoy", e não dos "Cleric", que nunca mudam.
    É praticamente uma classe nova para cada tipo de sacerdote, como é o caso dos druidas, que é o exemplo desses sacerdotes específicos.

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  6. "Fazendo um paralelo com a Igreja Católica, clérigos seriam Cavaleiros Templários e não padres" Mas e paladinos? Sempre comparei paladinos com cavaleiros templários.

    Aliás, eu costumava pensar que tanto Clérigo quanto Paladino era um meio-termo entre Guerreiro e Mago, mas que Paladino era mais voltado para Guerreiro e Clérigo para Mago.

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  7. @Edorass: Paladinos são mais próximos do arquétipo do cavaleiro andante, idealizado principalmente pelas histórias da cavalaria francesa medieval. Paladinos não necessitam de templos ou igrejas, nem de ordens estruturadas, para existir. Ainda que tenham uma fé, não são presos aos laços hierárquicos da igreja.
    Para mim, Paladinos estão mais próximos de santos (como São Jorge) do que os Clérigos.

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  8. "Dizem os boatos que o que viria a se tornar o clérigo do OD&D surgiu na campanha de Dave Arneson como uma nemesis para um personagem vampiro (personagem este chamado Sir Fang). Assim sendo, esse proto-clérigo teria sido inspirado principalmente na personagem Abraham Van Helsing, protagonizado por Peter Cushing nos antigos filmes de horror da produtora Hammer. "

    hj li num forum essa historia, contada por um dos primeiros jogadores do Gary. tb nao sei se ele fala a verdade, mas a principio nao teria o pq mentir. diz q era uma campanha do Arneson, algo mais pro Chainmail, e era "player vs player". um dos players do mal queria ser um vampiro, e ficou muito forte. a figura do vampiro era dos filmes (christopher lee), e por consequencia, a antitese era o van helsing, e assim surgiu o clerigo.

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  9. Finalmente encontrei alguém que afirma, que o clérigo não se trata de um padre ou um band-aid ambulante! Fico olhando para os clássicos beat'em ups como The king of dragons e Dungeon & Dragons, e vejo os clérigos como brutamontes fortes, com ótima defesa, com poderes divinos, em contrapartida mais lentos e com menos destreza por não serem exatamente um guerreiro. Eu acho que o que realmente faz a confusão toda, são os paladinos, acabam confundindo um pouco, ainda mais por terem poderes divinos. Eu imagino que o paladinos sejam cavaleiros como você disse: Percival, diria até com uma certa "realeza" de atos, o que o torna "puro" para ter poderes sagrados, mas não que tenha por trunfo os poderes divinos... E também, não que os clérigos sejam monstros quando próximos de cemitérios, por controlarem mortos-vivos, isso pra mim é mais bruxaria do que poder sagrado, como afirmam alguns.

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  10. @Nicolas: Mas lembre que não é todo clérigo que controla mortos-vivos, apenas os de religiões malignas. Os bondosos só conseguem espantá-los e eventualmente destruí-los.

    E clérigos de deuses malignos controlarem mortos-vivos não é estranho, até porque se analisarmos bem, em nossa cultura cristã-ocidental "bruxo" é quase sinônimo de pagão, ou seja, aquele que segue uma fé diferente (praticamente todas consideradas fé em "divindades malignas/demônios" na Idade Média).

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  11. Então, mas esses clérigos que servem à divindades malignas têm mais poderes do que um clérigo "bom"? Então não há um equilíbrio entre eles? Fazendo-se mais vantajoso ser um "clérigo mal" do que um "clérigo bom"?

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  12. @Nicolas: Não há vantagem. Os clérigos "bons" afastam/destroem mortos-vivos com sua fé, os clérigos "maus" controlam os mortos-vivos com a fé. Nenhum deles consegue fazer as duas coisas, então é uma troca de poderes equivalente entre eles.

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